DAYANE BARBOSA MATOS
[...]
seqüência de acontecimentos, ocorridos em sua maioria no hemisfério norte ou do
outro lado do Oceano Pacífico, que deu origem no Brasil à quase desconhecida
Batalha da Borracha. Uma história de imensos sacrifícios para milhares de
brasileiros mandados para os seringais amazônicos em nome da grande guerra que
conflagrava o mundo civilizado. Um capítulo obscuro e sem glórias de nossa
história que só permanece vivo na memória e no abandono dos últimos soldados da
borracha (NEVES, Marcos Vinícius[2]).
Assim teve início a chamada Batalha da Borracha[3],
mas a intenção não é discorrer mais uma vez sobre esse acontecimento.
Atear-se-á aqui, a um sujeito que vivenciou esse acontecimento. Sujeito que quase
sempre é esquecido, pouco mencionado e quase nunca levado em consideração: a
mulher.
Relembrando a fala da estimada Bezerra[4],
o Centro de Documentação e Informação Histórica – CDIH, da Universidade Federal
do Acre; encontra-se repleto de Monografias e Trabalhos de Conclusão de Curso
referentes ao: 1º e 2º Surto da Borracha, bem como sobre a Guerra do Acre[5]
e os Sindicatos (informação verbal).
No que diz respeito aos trabalhos que abordam o 2º Surto
da Borracha, notou-se que basicamente só é trabalhado a questão do Soldado da
Borracha (homem), esquecendo-se quase sempre das mulheres, essas quando
mencionadas, são apenas no papel de esposas, mães e filhas dos heróis do Acre.
Tomando como base o fato de que a mulher, assim como o
homem (soldado da borracha), foi também um sujeito diante o cenário em questão,
o presente artigo discorrerá somente acerca da mulher, apontando e pontuando as
várias mulheres existentes na mulher seringueira.
1.1
– Mulher-seringueira:
A discussão sobre o trabalho das mulheres nos seringais é
escassa e restrita a frases e/ou parágrafos, quando não totalmente inexistente
no âmbito da etnologia, história e iconografia, em que pese o extenso e
importante corpo de produção acadêmico-iconográfico sobre o processo de
produção da borracha, notadamente na América Latina. (SIMONIAN apud PORTELA,
Michelle da Costa. Inpa, 2006).
Por ser considerada a extração da borracha uma atividade
pesada e perigosa, logo se atribuiu a idéia de que a extração da borracha era
um trabalho unicamente masculino, o que legitima o silenciamento no que diz
respeito ao trabalho das mulheres na produção da borracha.
Segundo Souza[6]
e Silva[7],
Simonian[8]
desenvolveu durante os anos de 1986 e 1987, uma pesquisa sobre as mulheres
seringueiras nos seringais de Xapurí, Tarauacá, Rio Branco e Brasiléia e
constatou que tantos os homens como as mulheres, ainda insistem em tornar
invisível a participação da mulher na produção da borracha.
O que faz-nos perceber que essa divisão sexual do
trabalho que ocorre no campo das idéias e dos discursos[9],
que se sustentou historicamente[10]
acabou sendo incorporado ao discurso das mulheres seringueiras.
Mesmo diante esse silenciamento, sabe-se que o governo
recrutou homens (soldados da borracha) para “servir a pátria”, porém de acordo
com Souza e Silva, existem registros de que as mulheres também exerciam
atividades nesses espaços (os seringais), atividades que iam desde a coleta do
látex e defumação até os serviços domésticos, principalmente.
Apesar de toda a fragilidade, submissão e pureza que
constituem o modelo de mulher ideal; a mulher seringueira vai encontrar na
desilusão de uma vida melhor, forças, e assim apresentou sinais de resistência
à dura vida na floresta, vida a qual não estava habituada.
Umas viúvas, outras abandonadas pelos maridos, viram-se
obrigadas a aprender a pescar, remar, atirar e ainda mais, trabalhar na
extração do látex, já que há tempos dominavam o trabalho da roça: ordenhar,
capinar, plantar, colher... Fato que contraria o silenciamento e a invisibilidade
do trabalho feminino nos seringais, durante o Segundo Surto da Borracha.
1.2 –
Mulher: mãe e doméstica
É do saber de todos que quando os milhares de nordestinos
e outros foram recrutados como Soldados da Borracha, os seringais amazônicos
não ofertavam boas condições de moradia, bem como de saúde e de educação.
Ficando essas duas últimas a cargo das mães.
Como gerar
filhos queridos diante da amargura que o lugar proporcionava a ela e a seu
marido?[...] Sem médicos para assisti-la em seus partos e em suas doenças.
Muitas morreram de parto. Parteiras existiam, mas as distâncias imensas as
faziam parir sozinhas ou quando menos, ajudadas por seus maridos, que
realizavam o que podiam no trabalho de parto, isso quando se encontravam em
casa, porque na maioria das vezes se encontravam nos seringais (FERREIRA, Maria
Liège
Freitas[11])
Como demonstra Ferreira, a mulher era médica de si mesma,
de seus filhos e esposos. Através de saberes indígenas que lhe eram repassados,
de saberes ganhos através das experiências vividas, tirava da floresta o
próprio remédio. Da floresta vinha doença, da floresta vinha à cura, quando
vinha.
Além de serem responsáveis pela saúde dos filhos e
esposos, também era destinado a elas o cargo de educadoras.
Com fidelidade, repassavam aos seus filhos o pouco -
muito[12]
que conheciam.
Também eram exercidas por elas as atividades domésticas.
Entre essas atividades estavam à limpeza da casa, o cuidado com os filhos, o
preparo da alimentação, o cuidado com as roupas... Atividades não muito diferentes
das atuais, a menos no que diz respeito às condições em que tais atividades
eram realizadas. Além das atividades já mencionadas, os cuidados com os animais
domesticados era responsabilidade das mulheres, bem como o roçado.
02
– Tristeza, solidão e saudades de outrora
[...] na
empresa seringalista a mulher constituiu mão de obra atuante tanto quanto os
homens. Mas pela condição de ser mulher e, portanto, carregando o estigma da
pureza e da submissão foi a que mais sofreu com o “código da mata” a que foram
submetidas (FERREIRA, Maria Liège Freitas).
Nos discursos referentes à
importância da ocupação da Amazônia, era enaltecido o papel da família,
instituição que cabia ao homem exercer o papel de autoridade.
Assim, serão essas mulheres submissas
e reprimidas pela ordem social vigente, que irão acompanhar os maridos (futuros
soldados da borracha), muitas delas por obrigação, até os seringais acreanos.
Agora será somada a dor da repressão que sempre fora submetida pelos discursos
sexistas, a dor da migração. Será ela arrancada de seus entes queridos, de sua
realidade, etc.
Haesbaert[13]
apud Ferreira, afirma que o desterritorializar na mulher ocorre de uma forma
mais lenta do que no homem. Na mulher, esse processo é mais traumático, pois a
desterritorialização nunca apaga sua identidade, seu local de origem. Visto que
o sentir da mulher é diferente do homem, pois as óticas são diferentes, a forma
como é realizada a leitura da floresta bandida[14]
é outra, a mata é vivenciada e sentida de um outro jeito.
“Como dividir seu corpo e bem querer
a um homem também marcado e sofrido pela revolta da exaustão no trabalho da
seringa?”, pergunta Ferreira. Simples, sexo por obrigação. Mais uma dor a ser
somada as já inúmeras dores sentidas/vivenciadas por elas.
Assim, seja ela a imigrante ou a
índia tomada à força, retirada dos seus, maltratada, violentada e depois tomada
como esposa, a que mais sofrerá a vida nos seringais acreanos.
A saudade de seus lugares de origem
somada à dor da exploração física e sexual a que estavam submetidas, aos maus
tratos dos esposos seringueiros e da própria floresta, faziam das mulheres os
personagens mais sofridos no cenário da mata.
Sofrimento que só encontrava refúgio
nos encontros com outras mulheres nos igarapés onde lavavam as roupas; nos
batizados, casamentos, encontros motivados pela ordem religiosa era o lugar do
desabafo, das queixas. Momento onde ficavam longe do olhar de seus vigilantes.
03 –
Considerações finais
Assim como foi discutido nas
palavras acima, viu-se o descaso dado a questão: mulher sujeito de experiência
durante o Segundo Surto da Borracha.
Felizmente percebe-se que mesmo
lentamente, já começa surgir focos de produção acadêmica a assuntos
relacionados. Como é o caso de Souza e Silva, Portela[15],
Ferreira e a não menos importante Simonian que ao longo dos anos vem se
dedicando a causa: mulher na Amazônia.
Esses trabalhos, mesmo que não
tratem diretamente da mulher durante a batalha da borracha, muito ajuda
enquanto material disponível a pesquisa bibliografia. Trabalhos de considerável
importância acadêmica, política e social, que trazem afirmações e indagações
dignas de serem discutidas e aprofundadas.
Assim, espera-se que o presente
trabalho tenha contribuído, mesmo que de maneira simplória e ainda superficial,
para a comunidade acadêmica. Chamando-lhe atenção para essa discussão, que a um
primeiro olhar pode parecer ultrapassada[16],
mas que ainda tem muito a ofertar.
[1] Aqui
será entendido por “sujeito de experiência”, aquele que desenvolve a prática, a
prática de vida no mundo. O mundo em questão são os seringais acreanos durante
o Segundo Surto da Borracha.
[2] NEVES,
Marcos Vinícius. Historiador e arqueólogo Marcos presidente da Fundação
Garibaldi Brasil.
[4] BEZERRA,
Maria José. Possui Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo (2006).
Atualmente é estatutária da Universidade Federal do Acre.
[5] É
assim que os bolivianos se referem ao período que corresponde a 1899-1903.
Partindo da premisse de que o que houve não pode ser chamado de revolução,
entendo aqui que revolução é uma mudança no campo da superestrutura: no social,
econômico, político, ideológico... Optou-se por adotar o termo utilizado pelos
bolivianos.
[6] SOUZA,
Sheila Ximenes de. Discente do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Geografia
da Universidade Federal de Rondônia – UNIR e Pesquisadora do Grupo de Estudos
sobre a Mulher e Relações de Gênero – GEPGENERO
[7] SILVA, Maria
das Graças Silva Nascimento. Professora Adjunta do Departamento de Geografia,
Coordenadora do GEPGENERO e Orientadora no Mestrado em Geografia.
[8] SIMONIAN,
Ligia Terezinha Lopes. Possui Doutorado
em Antropologia - City University of New York (1993) e Pós-Doutorado na City
University of New York
(2000/2001). Atualmente
é professora associada do quadro de docentes da Universidade Federal do Pará,
junto ao Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA).
[9]
Percebeu-se que essa divisão sexual do trabalho só existe no campo das idéias e
dos discursos, tendo em vista o trabalho exercido pelas mulheres no processo de
produção da borracha, mesmo que esse seja considerado tipicamente masculino.
[10] Acredita-se
que não é apenas no Segundo Surto da Borracha que há esse silenciamento do
trabalho feminino.
[11] Maria
Liège Freitas Ferreira. Profª no Departamento de História e Geografia, da
Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Campina Grande. Mestre
em História, pela Universidade Estadual Paulista, UNESP – Campus de
Assis.
[12] No
sentido de que pouco conheciam das leis e coisas do gênero, mas muito sabiam da
floresta, das coisas da vida. E assim, preparavam da melhor forma possível os
filhos, para que esses fossem fortes e menos sofridos.
[13] Rogério
Haesbaert da Costa. Doutorado em Geografia
(Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo, Brasil (1995) Professor
Associado II da Universidade Federal Fluminense.
[16] Por
se tratar de um dado período histórico já muito trabalhado e discutido entre os
historiadores locais e
regionais.
Referências
bibliográficas
FRANÇA,
Vera. O discurso de identidade, discurso
de alteridade: o outro por si mesmo. 2001. Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/gris/biblioteca/
artigos/discurso-de-identidade-discurso-de-alteridade-o-outro-por-si-mesmo.pdf
/view. Acesso em: 25 de jun. de 2010.
FERREIRA,
Maria Liège Freitas. Mulheres no
seringal: submissão,
resistências, saberes e práticas (1940-1945). Disponível em: http://www.fef.unicamp.br/sipc/anais8/Maria%20Li%C3%A8ge%20Freitas%20Ferreira%20-%20UNESP%
20Pg.pdf. Acesso em: 28 de jun. de 2010.
PORTELA, Michelle da Costa. A mulher seringueira
em Varadouro – um jornal das selvas. In: FAZENDO GÊNERO – CORPO, VIOLÊNCIA
E PODER, 8., 2008. Florianópolis. Disponível em: http://www.fazendogenero8.ufsc.br/
sts/ST19/Michelle_da_Costa_Portela_19.pdf. Acesso em: 30 de jun. de 2010.
SOUZA, Sheila Ximenes de; SILVA, Maria das Graças
Silva Nascimento. Os ciclos econômicos e a condição feminina na Amazônia
rondoniana. In: FAZENDO GÊNERO – CORPO, VIOLÊNCIA E PODER, 8., 2008.
Florianópolis. Disponível em: http://www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST49/Souza-Silva_49.pdf.
Acesso em: 30 de jun. 2010.
NEVES,
Marcos Vinícius. Soldados de uma guerra
sem fim - a esquecida batalha da borracha. Disponível em: http://www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br/index.php.
Acesso em 03 de jul. 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário